Pedido de Desaforamento n. 2012.049365-9, de Araquari
Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas
PEDIDO DE DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO.
TRIBUNAL DO JÚRI. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO
POR MOTIVO TORPE E SEQUESTRO (ART. 121, § 2º, I, E ART.
148, AMBOS COMBINADOS COM O ART. 29, TODOS DO
CÓDIGO PENAL). REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. ALEGADA DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE
DO CONSELHO DE SENTENÇA. ACUSADOS QUE SÃO
EMPRESÁRIOS CONHECIDOS E PRESTIGIADOS NO LOCAL
AONDE OCORRERAM OS FATOS. POSSIBILIDADE DE
GERAR INFLUÊNCIA NA POPULAÇÃO LOCAL. EXEGESE DO
ART. 427 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
DEFERIMENTO.
Deve ser deferido pedido de desaforamento se o juiz, que se
encontra no palco dos acontecimentos, manifesta apreensão,
diante de inegáveis indícios de pressão sobre os jurados, a
ensejar dúvida quanto à imparcialidade da instituição do júri [...]
(Pedido de Desaforamento n. 2010.068469-4, 2010.068453-9, e
2010.068470-4, de Tubarão, rel. Des. Irineu João da Silva,
Segunda Câmara Criminal, j. 14-12-2010).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Pedido de Desaforamento
n. 2012.049365-9, da comarca de Araquari (Vara Única), em que é requerente
Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e requerido Valdir Vanderley da
Veiga, Thomas Bodnar, Alcides Correa e Rainor Ido da Silva:
A Primeira Câmara Criminal decidiu, deferir o pedido de desaforamento,
determinando que o julgamento de Valdir Vanderley da Veiga, Thomas Bodnar,
Alcides Correa e Rainor Ido da Silva seja realizado pelo Tribunal do Júri da Comarca
da Capital. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des.
Carlos Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr.
Procurador Ivens José Thives de Carvalho.
Florianópolis, 25 de setembro de 2012.
Marli Mosimann Vargas
PRESIDENTE E RELATORA
Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas
RELATÓRIO
Trata-se de pedido de desaforamento formulado pelo representante do
Ministério Público da Comarca de Araquari/SC, objetivando a transferência do
julgamento, perante o Tribunal do Júri, da ação penal n. 061.00.001767-2, promovida
contra Valdir Vanderley da Veiga, Thomas Bodnar e Alcides Correa, pronunciados
pela prática dos crimes previsto no art. 121, § 2º, I, e art. 148, ambos combinados
com o art. 29, todos do Código Penal, visando assegurar a imparcialidade dos jurados
que formarão o Conselho de Sentença.
Alega, em síntese, que é de conhecimento notório a influência que os
réus Rainor Ida da Silva e Thomas Bodnar exercem na comunidade Araquariense,
haja vista serem empresários muito conhecidos pela maioria da população.
Sustenta também que a imparcialidade do Conselho de Sentença está
ameaçada em razão da forte influência que os réus exercem na população local, uma
vez que geram empregos a diversos cidadãos.
Assim, diante da existência de fundadas dúvidas acerca da
imparcialidade do Júri a ser constituído para o julgamento do Processo-Crime n.
061.00.001767-2, pugna pelo desaforamento do feito para Comarca distante daquela
em que ocorreram os fatos.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr.
Raul Schaefer Filho, manifestando-se pelo conhecimento e acolhimento do pleito (fls.
193-196).
Este é o relatório.
VOTO
Cuida-se de pedido de desaforamento calcado na suspeita quanto à
imparcialidade dos jurados que formarão o Conselho de Sentença para o julgamento
da ação penal n. 061.00.001767-2.
Consoante regra contida no art. 70 do Código de Processo Penal, a
competência jurisdicional para o conhecimento e julgamento da ação penal será
fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal ou, no caso de tentativa, pelo
lugar em que for praticado o último ato de execução.
Todavia, nos moldes estabelecidos no art. 427 do Código de Processo
Penal, com redação dada pela Lei n. 11.689/2008, "se o interesse da ordem pública o
reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do
acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do
querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá
determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região,
onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas".
Tal previsão possibilita, portanto, o deslocamento do julgamento de
causa sujeita ao Tribunal do Júri quando subsistam os motivos ensejadores do
requerimento.
No caso
sub judice, dessume-se que o pedido de desaforamento
Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas
formulado pelo representante do Ministério Público em exercício na Comarca de
Araquari deve ser acolhido, haja vista a demonstração nos autos da presença de uma
das hipóteses mencionadas em lei, qual seja, dúvidas sobre a imparcialidade do Júri.
Se não, vejamos:
Extrai-se da denúncia que os acusados Valdir Vanderley da Veiga,
Thomas Bodnar, Alcides Correa e Rainor Ido da Silva, previamente acordados entre si
e sob às ordens do último, participaram dos crimes de sequestro e homicídio
qualificado pelo motivo torpe perpetrado contra a vítima Amaro João dos Santos.
Segundo narra a denúncia, os denunciados, por meio de grave ameaça
feita com um revólver de propriedade de Thomaz, coagiram a vítima a entrar no
automóvel de propriedade do acusado Valdir e a levaram em direção a Estrada Geral
do Rio Morro, município de Araquari.
Após a vítima entrar em contato com seu irmão pedindo que ele fosse
ao seu encontro, o que não aconteceu, Valdir, sob o mando de Rainor e à vista dos
demais denunciados, desferiu 12 (doze) tiros naquela.
Ainda, conforme apurado, o crime teria ocorrido em razão do irmão da
vítima ter furtado vários cheques da empresa Caninha 101, a qual tem como
proprietário o denunciado Rainor Ido da Silva.
Aliado a isso, conforme se extrai das informações prestadas pela
julgadora
a quo (fls. 183-184), os acusados Rainor e Thomas são empresários muito
conhecidos e influentes na região, em especial na comunidade araquariense, este
último proprietário de um AutoPosto e o primeiro proprietário de duas empresas na
cidade de Joinville, as quais geram 80 empregos diretos e mais 250 indiretos.
Essas circunstâncias são corroboradas também pelos documentos
juntados às fls. 79-104, os quais demonstram 28 (vinte e oito) declarações de
pessoas da comunidade abonando a conduta do acusado Rainor, porquanto ele
exerce de forma inidônea e com responsabilidade social, seu papel de cidadão junto à
sociedade local.
Somado a isso também, consta nos autos abaixo-assinados de pessoas
da comunidade de Araquari, um total de 225 assinaturas (fls. 105-108), as quais
atestam que os acusados Rainor e Valdir são empresários de prestígio na região, por
meio de suas empresas criam diversos empregos às famílias que residem naquele
local e prestam com isso relevantes serviços à comunidade.
Diante de tais particularidades, fortes são os motivos para colocar em
dúvida a imparcialidade dos jurados no julgamento.
Discorrendo acerca das referidas hipótese legais de desaforamento,
Guilherme de Souza Nucci elucida:
[...] havendo motivos razoáveis e comprovados de que a ocorrência do
julgamento provocará distúrbios, gerando intranqüilidade na sociedade local,
constituído está o fundamento para desaforar o caso, transferindo-o para outra
Comarca.
[...] Não há possibilidade de haver um julgamento justo com um corpo de
jurados tendencioso. Tal situação pode dar-se quando a cidade for muit pequena e o
crime tenha sido gravíssimo, levando à comoção geral, de modo que o caso vem
sendo discutido em todos os setores da sociedade muito antes de o julgamento
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ocorrer (Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 107-108, grifo
nosso).
Nessa linha, manifesta-se este e. Tribunal de Justiça:
PEDIDO DE DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO. TRIBUNAL DO JÚRI.
CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES NA FORMA TENTADA (OITO VEZES),
PRATICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DÚVIDA SOBRE A
IMPARCIALIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA EM RAZÃO DA
REPERCUSSÃO DA PRÁTICA DELITUOSA NA LOCALIDADE. POSSIBILIDADE.
EXEGESE DO ART. 427 DO CPP. DEFERIMENTO.
O desaforamento é medida excepcional, cabível apenas se comprovada, por
fatos objetivos, a parcialidade dos jurados. No caso, houve efetiva demonstração de
que os moradores da localidade, que compõem o corpo de jurados, estão
influenciados pelo acontecido, justamente porque os delitos praticados pelo acusado
causaram grande repercussão no município, pois figuram como vítimas pessoas de
prestígio e influência na localidade, o que autoriza a realização do julgamento em
comarca diversa (Pedido de Desaforamento n. 2012.010148-8, de Lebon Régis, rel.
Des. Torres Marques, Terceira Câmara Criminal, j. 18-4-2012).
DESAFORAMENTO. DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE DO JÚRI.
SENTIMENTO PESSOAL DA COMUNIDADE QUANTO À PESSOA SUJEITA A
JULGAMENTO. OPINIÃO DO JUIZ DA COMARCA. DEFERIMENTO.
Deve ser deferido pedido de desaforamento se o juiz, que se encontra no palco
dos acontecimentos, manifesta apreensão, diante de inegáveis indícios de pressão
sobre os jurados, a ensejar dúvida quanto à imparcialidade da instituição do júri.
Para atender ao interesse da ordem pública "quando o sentimento que provoca
o réu é originário, não do crime em si, mas da pessoa sujeita a julgamento, o
desaforamento deve ser autorizado" (RF, 75/409), por ensejar dúvida quanto à
imparcialidade dos jurados (Pedido de Desaforamento n. 2010.068469-4,
2010.068453-9, e 2010.068470-4, de Tubarão, rel. Des. Irineu João da Silva,
Segunda Câmara Criminal, j. 14-12-2010).
PROCESSO PENAL. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. DÚVIDAS SOBRE A
IMPARCIALIDADE DO JÚRI LEVANTADAS PELO REPRESENTANTE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO E CONFIRMADAS PELO MAGISTRADO A QUO. RÉU
PRONUNCIADO PELA PRÁTICA DE DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO.
EXISTÊNCIA DE FORTES INDÍCIOS DE QUE O ACUSADO E SEUS FAMILIARES
POSSUEM REPUTAÇÃO VIOLENTA NA COMUNIDADE DO LUGAR DA
INFRAÇÃO. CONDUTA QUE PODERÁ INFLUENCIAR E INTIMIDAR AS
TESTEMUNHAS, AINDA QUE INDIRETAMENTE. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO
JUIZ DO PROCESSO. DEFERIMENTO.
Quando o interesse da ordem pública o reclamar e houver dúvida sobre a
imparcialidade do júri, deve-se determinar o desaforamento, nos termos do art. 427
do Código de Processo Penal (Pedido de Desaforamento n. 2009.008394-6, de
Quilombo, rel. Des. Newton Varella Júnior, Primeira Câmara Criminal, j. -7-7-2009).
TRIBUNAL DO JÚRI – PEDIDO DE DESAFORAMENTO – IMPARCIALIDADE
DOS JURADOS (CPP, ART. 427, CAPUT) – HIPÓTESE COMPROVADA –
MAGISTRADO QUE CONFIRMA A EXISTÊNCIA DE RECEIO DA COMUNIDADE –
Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas
JULGAMENTO DESLOCADO PARA A COMARCA DA CAPITAL.
O pedido de desaforamento, regulado pelo art. 427 do Código de Processo
Penal, configura hipótese excepcional de deslocamento da competência, o qual
somente será acolhido quando manifestamente demonstrado um dos seus requisitos.
Desse modo, reconhecido inclusive pelo magistrado presidente do Tribunal do Júri,
que a comunidade guarda forte temor sobre o réu e seus familiares, e existindo
notícia de que, em outro processo no qual o denunciado figura no pólo passivo, uma
testemunha foi assassinada dois dias antes do seu depoimento, afigura-se plausível
reconhecer a quebra de imparcialidade dos jurados, resultando imperiosa a
transferência do julgamento (Pedido de Desaforamento n. 2009.019791-5, de
Navegantes, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j.
22-6-2009).
Logo, medida outra não há senão deferir o desaforamento.
Fixada tal diretriz, à luz do que recomenda o art. 427 do Código de
Processo Penal, determina-se o deslocamento do feito para a Comarca da Capital, na
qual os jurados, sem prévio conhecimento dos fatos e dos agentes envolvidos,
poderão melhor desempenhar o seu mister.
Este é o voto.
Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas