quarta-feira, 24 de outubro de 2012

EMPRESÁRIO SERÁ CONDENADO POR CRIMES (RAINOR IDO DA SILVA)

Pedido de Desaforamento n. 2012.049365-9, de Araquari

Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas

PEDIDO DE DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO.

TRIBUNAL DO JÚRI. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO

POR MOTIVO TORPE E SEQUESTRO (ART. 121, § 2º, I, E ART.

148, AMBOS COMBINADOS COM O ART. 29, TODOS DO

CÓDIGO PENAL). REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. ALEGADA DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE

DO CONSELHO DE SENTENÇA. ACUSADOS QUE SÃO

EMPRESÁRIOS CONHECIDOS E PRESTIGIADOS NO LOCAL

AONDE OCORRERAM OS FATOS. POSSIBILIDADE DE

GERAR INFLUÊNCIA NA POPULAÇÃO LOCAL. EXEGESE DO

ART. 427 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

DEFERIMENTO.

Deve ser deferido pedido de desaforamento se o juiz, que se

encontra no palco dos acontecimentos, manifesta apreensão,

diante de inegáveis indícios de pressão sobre os jurados, a

ensejar dúvida quanto à imparcialidade da instituição do júri [...]

(Pedido de Desaforamento n. 2010.068469-4, 2010.068453-9, e

2010.068470-4, de Tubarão, rel. Des. Irineu João da Silva,

Segunda Câmara Criminal, j. 14-12-2010).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Pedido de Desaforamento

n. 2012.049365-9, da comarca de Araquari (Vara Única), em que é requerente

Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e requerido Valdir Vanderley da

Veiga, Thomas Bodnar, Alcides Correa e Rainor Ido da Silva:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, deferir o pedido de desaforamento,

determinando que o julgamento de Valdir Vanderley da Veiga, Thomas Bodnar,

Alcides Correa e Rainor Ido da Silva seja realizado pelo Tribunal do Júri da Comarca

da Capital. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des.

Carlos Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr.

Procurador Ivens José Thives de Carvalho.

Florianópolis, 25 de setembro de 2012.

Marli Mosimann Vargas

PRESIDENTE E RELATORA

Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas



RELATÓRIO

Trata-se de pedido de desaforamento formulado pelo representante do

Ministério Público da Comarca de Araquari/SC, objetivando a transferência do

julgamento, perante o Tribunal do Júri, da ação penal n. 061.00.001767-2, promovida

contra Valdir Vanderley da Veiga, Thomas Bodnar e Alcides Correa, pronunciados

pela prática dos crimes previsto no art. 121, § 2º, I, e art. 148, ambos combinados

com o art. 29, todos do Código Penal, visando assegurar a imparcialidade dos jurados

que formarão o Conselho de Sentença.

Alega, em síntese, que é de conhecimento notório a influência que os

réus Rainor Ida da Silva e Thomas Bodnar exercem na comunidade Araquariense,

haja vista serem empresários muito conhecidos pela maioria da população.

Sustenta também que a imparcialidade do Conselho de Sentença está

ameaçada em razão da forte influência que os réus exercem na população local, uma

vez que geram empregos a diversos cidadãos.

Assim, diante da existência de fundadas dúvidas acerca da

imparcialidade do Júri a ser constituído para o julgamento do Processo-Crime n.

061.00.001767-2, pugna pelo desaforamento do feito para Comarca distante daquela

em que ocorreram os fatos.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr.

Raul Schaefer Filho, manifestando-se pelo conhecimento e acolhimento do pleito (fls.

193-196).

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de pedido de desaforamento calcado na suspeita quanto à

imparcialidade dos jurados que formarão o Conselho de Sentença para o julgamento

da ação penal n. 061.00.001767-2.

Consoante regra contida no art. 70 do Código de Processo Penal, a

competência jurisdicional para o conhecimento e julgamento da ação penal será

fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal ou, no caso de tentativa, pelo

lugar em que for praticado o último ato de execução.

Todavia, nos moldes estabelecidos no art. 427 do Código de Processo

Penal, com redação dada pela Lei n. 11.689/2008, "se o interesse da ordem pública o

reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do

acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do

querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá

determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região,

onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas".

Tal previsão possibilita, portanto, o deslocamento do julgamento de

causa sujeita ao Tribunal do Júri quando subsistam os motivos ensejadores do

requerimento.

No caso
sub judice, dessume-se que o pedido de desaforamento

Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas



formulado pelo representante do Ministério Público em exercício na Comarca de

Araquari deve ser acolhido, haja vista a demonstração nos autos da presença de uma

das hipóteses mencionadas em lei, qual seja, dúvidas sobre a imparcialidade do Júri.

Se não, vejamos:

Extrai-se da denúncia que os acusados Valdir Vanderley da Veiga,

Thomas Bodnar, Alcides Correa e Rainor Ido da Silva, previamente acordados entre si

e sob às ordens do último, participaram dos crimes de sequestro e homicídio

qualificado pelo motivo torpe perpetrado contra a vítima Amaro João dos Santos.

Segundo narra a denúncia, os denunciados, por meio de grave ameaça

feita com um revólver de propriedade de Thomaz, coagiram a vítima a entrar no

automóvel de propriedade do acusado Valdir e a levaram em direção a Estrada Geral

do Rio Morro, município de Araquari.

Após a vítima entrar em contato com seu irmão pedindo que ele fosse

ao seu encontro, o que não aconteceu, Valdir, sob o mando de Rainor e à vista dos

demais denunciados, desferiu 12 (doze) tiros naquela.

Ainda, conforme apurado, o crime teria ocorrido em razão do irmão da

vítima ter furtado vários cheques da empresa Caninha 101, a qual tem como

proprietário o denunciado Rainor Ido da Silva.

Aliado a isso, conforme se extrai das informações prestadas pela

julgadora
a quo (fls. 183-184), os acusados Rainor e Thomas são empresários muito

conhecidos e influentes na região, em especial na comunidade araquariense, este

último proprietário de um AutoPosto e o primeiro proprietário de duas empresas na

cidade de Joinville, as quais geram 80 empregos diretos e mais 250 indiretos.

Essas circunstâncias são corroboradas também pelos documentos

juntados às fls. 79-104, os quais demonstram 28 (vinte e oito) declarações de

pessoas da comunidade abonando a conduta do acusado Rainor, porquanto ele

exerce de forma inidônea e com responsabilidade social, seu papel de cidadão junto à

sociedade local.

Somado a isso também, consta nos autos abaixo-assinados de pessoas

da comunidade de Araquari, um total de 225 assinaturas (fls. 105-108), as quais

atestam que os acusados Rainor e Valdir são empresários de prestígio na região, por

meio de suas empresas criam diversos empregos às famílias que residem naquele

local e prestam com isso relevantes serviços à comunidade.

Diante de tais particularidades, fortes são os motivos para colocar em

dúvida a imparcialidade dos jurados no julgamento.

Discorrendo acerca das referidas hipótese legais de desaforamento,

Guilherme de Souza Nucci elucida:

[...] havendo motivos razoáveis e comprovados de que a ocorrência do

julgamento provocará distúrbios, gerando intranqüilidade na sociedade local,

constituído está o fundamento para desaforar o caso, transferindo-o para outra

Comarca.

[...] Não há possibilidade de haver um julgamento justo com um corpo de

jurados tendencioso. Tal situação pode dar-se quando a cidade for muit pequena e o

crime tenha sido gravíssimo, levando à comoção geral, de modo que o caso vem

sendo discutido em todos os setores da sociedade muito antes de o julgamento


Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas



ocorrer (Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 107-108, grifo

nosso).


Nessa linha, manifesta-se este e. Tribunal de Justiça:

PEDIDO DE DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO. TRIBUNAL DO JÚRI.

CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES NA FORMA TENTADA (OITO VEZES),

PRATICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DÚVIDA SOBRE A

IMPARCIALIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA EM RAZÃO DA

REPERCUSSÃO DA PRÁTICA DELITUOSA NA LOCALIDADE. POSSIBILIDADE.

EXEGESE DO ART. 427 DO CPP. DEFERIMENTO.

O desaforamento é medida excepcional, cabível apenas se comprovada, por

fatos objetivos, a parcialidade dos jurados. No caso, houve efetiva demonstração de

que os moradores da localidade, que compõem o corpo de jurados, estão

influenciados pelo acontecido, justamente porque os delitos praticados pelo acusado

causaram grande repercussão no município, pois figuram como vítimas pessoas de

prestígio e influência na localidade, o que autoriza a realização do julgamento em

comarca diversa (Pedido de Desaforamento n. 2012.010148-8, de Lebon Régis, rel.

Des. Torres Marques, Terceira Câmara Criminal, j. 18-4-2012).

DESAFORAMENTO. DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE DO JÚRI.

SENTIMENTO PESSOAL DA COMUNIDADE QUANTO À PESSOA SUJEITA A

JULGAMENTO. OPINIÃO DO JUIZ DA COMARCA. DEFERIMENTO.

Deve ser deferido pedido de desaforamento se o juiz, que se encontra no palco

dos acontecimentos, manifesta apreensão, diante de inegáveis indícios de pressão

sobre os jurados, a ensejar dúvida quanto à imparcialidade da instituição do júri.

Para atender ao interesse da ordem pública "quando o sentimento que provoca

o réu é originário, não do crime em si, mas da pessoa sujeita a julgamento, o

desaforamento deve ser autorizado" (RF, 75/409), por ensejar dúvida quanto à

imparcialidade dos jurados (Pedido de Desaforamento n. 2010.068469-4,

2010.068453-9, e 2010.068470-4, de Tubarão, rel. Des. Irineu João da Silva,

Segunda Câmara Criminal, j. 14-12-2010).

PROCESSO PENAL. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. DÚVIDAS SOBRE A

IMPARCIALIDADE DO JÚRI LEVANTADAS PELO REPRESENTANTE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO E CONFIRMADAS PELO MAGISTRADO A QUO. RÉU

PRONUNCIADO PELA PRÁTICA DE DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO.

EXISTÊNCIA DE FORTES INDÍCIOS DE QUE O ACUSADO E SEUS FAMILIARES

POSSUEM REPUTAÇÃO VIOLENTA NA COMUNIDADE DO LUGAR DA

INFRAÇÃO. CONDUTA QUE PODERÁ INFLUENCIAR E INTIMIDAR AS

TESTEMUNHAS, AINDA QUE INDIRETAMENTE. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO

JUIZ DO PROCESSO. DEFERIMENTO.

Quando o interesse da ordem pública o reclamar e houver dúvida sobre a

imparcialidade do júri, deve-se determinar o desaforamento, nos termos do art. 427

do Código de Processo Penal (Pedido de Desaforamento n. 2009.008394-6, de

Quilombo, rel. Des. Newton Varella Júnior, Primeira Câmara Criminal, j. -7-7-2009).

TRIBUNAL DO JÚRI – PEDIDO DE DESAFORAMENTO – IMPARCIALIDADE

DOS JURADOS (CPP, ART. 427, CAPUT) – HIPÓTESE COMPROVADA –

MAGISTRADO QUE CONFIRMA A EXISTÊNCIA DE RECEIO DA COMUNIDADE –


Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas



JULGAMENTO DESLOCADO PARA A COMARCA DA CAPITAL.

O pedido de desaforamento, regulado pelo art. 427 do Código de Processo

Penal, configura hipótese excepcional de deslocamento da competência, o qual

somente será acolhido quando manifestamente demonstrado um dos seus requisitos.

Desse modo, reconhecido inclusive pelo magistrado presidente do Tribunal do Júri,

que a comunidade guarda forte temor sobre o réu e seus familiares, e existindo

notícia de que, em outro processo no qual o denunciado figura no pólo passivo, uma

testemunha foi assassinada dois dias antes do seu depoimento, afigura-se plausível

reconhecer a quebra de imparcialidade dos jurados, resultando imperiosa a

transferência do julgamento (Pedido de Desaforamento n. 2009.019791-5, de

Navegantes, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j.

22-6-2009).


Logo, medida outra não há senão deferir o desaforamento.

Fixada tal diretriz, à luz do que recomenda o art. 427 do Código de

Processo Penal, determina-se o deslocamento do feito para a Comarca da Capital, na

qual os jurados, sem prévio conhecimento dos fatos e dos agentes envolvidos,

poderão melhor desempenhar o seu mister.

Este é o voto.

Gabinete Desa. Marli Mosimann Vargas